quinta-feira, 26 de maio de 2011

Explicando o Tropicalismo: parte III

Contradições Antropofágicas do Tropicalismo


Em 1967, no III festival de Musica Popular, na TV Record, Caetano Veloso e Gilberto Gil irrompem no debate cultural da época, causando polêmicas com suas músicas Alegria, alegria (quarto lugar) e Domingo no Parque (segundo lugar), respectivamente. Acompanhados pelas guitarras dos Beat Boys e dos Mutantes, acabam incorporando dados modernos e atuais dentro da  “geléia geral brasileira”, realçando a mistura de arcaísmo e modernização fundindo os elementos tradicionais da música popular brasileira com a modernidade da vida urbana e sua cultura de consumo a partir de um discurso de caráter fragmentário e descentrado como num filme de Glauber Rocha.
Inspirado no “Manifesto Pau-Brasil”, da Semana da Arte Moderna, de 1922, do poeta Oswald de Andrade, o Tropicalismo criou uma estética antropofágica contemporânea, que procurava deglutir os movimentos de vanguarda vindos de fora no “primitivismo” da cultura de uma relação de contrastes entre o moderno e o arcaico, o místico e o industrializado, o primitivo e o tecnológico. Suas alegorias e sua linguagem metafórica criavam um humor crítico (paródia) que tentava superar a polarização entre as posições estéticas defensoras da cultura engajada e da cultura de massa.
Assim é que, sem incorrer no discurso militante da esquerda, na música de protesto nem no “comercialismo” do iê – iê – iê, a Tropicália trabalhou a política e a estética num mesmo plano, mostrando as condições da nossa modernização subdesenvolvida a partir de uma outra forma de arte. Isso pode ser exemplificado pela música Tropicália (1968), de Caetano Veloso, uma espécie de símbolo e síntese das idéias do movimento:





Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz

Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central
Do país

Viva a bossa – sa – sa
Viva a palhoça – ça – ça – ça – ça
(…)
Domingo é fino da bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai a roça
Porém

O monumento é bem moderno
Não disse nada do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem

Viva a banda – da – da
Carmem Miranda – da – da – da – da



            Como percebemos nesse trecho, uma tensão crítica entre o moderno e o arcaico percorre toda a letra da música “bossa” e “palhoça”; “fino da bossa” (alusão do programa de tevê), a mesma é acompanhada pelo arranjo da canção, que mistura ritmos populares brasileiros com música de vanguarda promovendo uma mistura do primitivo com o moderno.
O disco – manifesto do movimento, Tropicália ou panis et circensis até hoje, tendo se tornado a síntese das propostas estéticas da linguagem tropicalista. A maioria de público não entendia o movimento, odiados pela direita, por causa das atitudes provocadoras e longe dos padrões restritos da cultura e proposta de esquerda, a Tropicália pagaria o preço de sua ousadia até seu fim. O confronto se deu em 1968, em uma noite no TUCA durante o II Festival Internacional da Canção.
A platéia formada basicamente por universitários de esquerda recebe à Caetano Veloso com vaias, a reação dos mesmos à canção É proibido proibir também foi mal recebida, após  o ocorrido Caetano Veloso interrompe sua apresentação e inicia um discurso que denuncia o conservadorismo político – cultural da esquerda. O Tropicalismo tentou responder de forma original. Entre a exigência de uma cultura politizada e a solicitação de uma cultura de consumo, optou pela tensão que poderia ser estabelecida entre esses dois pólos de concepção estética e política. Mas o Tropicalismo, dentro desse quadro de agitação e repressão político – cultural, mostraria sua importância ao deixar um caminho para a disposição anárquica e rebelde, que iria se refletir, na experiência contracultural da juventude brasileira, no início da década de 70. 

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