segunda-feira, 4 de junho de 2012

Capoeira: Origens


Descobrindo a capoeira
Criada pelo negro escravo, como instrumento de sua luta pela libertação, a capoeira, mais do que um jogo, nasceu como uma arte marcial, uma luta, um instrumento de combate e resistência. Como não possuíam armas suficientes para combater à opressão de feitores e capitães do mato, os escravos utilizavam os movimentos da futura luta como recursos instintivos e naturais de preservação da vida, por intermédio do próprio corpo. Esses movimentos possivelmente foram, com o passar dos anos, sendo disfarçados pela ginga de corpo e um leve toque de dança, que acrescentava acrobacias, que mais tarde iriam se transformar no que chamamos hoje de “floreios”, que são movimentos manhosos, ágeis, espertos e traiçoeiramente defensivos, que servem para disfarçar o caráter belicoso da capoeira. De acordo com Rego “A capoeira foi inventada de divertimento, mas na realidade funcionava como faca de dois gumes. Ao lado do normal e do cotidiano, que era divertir, era luta também no momento oportuno”.(1968, p.35).

Um outro fator relevante sobre a capoeira è que, se por um lado ela não veio pronta e acabada da África, também não podemos dizer que a mesma se trata de uma criação genuinamente brasileira, pois, apesar de ter sido inventada no Brasil, muitos são os elementos dessa arte que nos remetem a “práticas” africanas. Portanto, preferimos acreditar que sua origem è afro-brasileira, entendendo a herança africana como matéria-prima e as condições sociais do Brasil escravista como catalisadoras do processo de criação e desenvolvimento dessa arte, haja vista que mesmo com a escravização de africanos para outros países, estes nunca denotaram indícios de existência da capoeira em seus territórios.

No caso da capoeira, tudo leva a crer que seja uma invenção dos africanos no Brasil, desenvolvidas por seus descendentes afro-brasileiros, tendo em vista uma série de fatores colhidos em documentos escritos e, sobretudo no convívio e diálogo constante com os capoeiras atuais e antigos que ainda vivem na Bahia. (REGO, 1968, p.31).
A capoeira hoje já é praticada, mesmo de forma pontual, em cerca de 140 países do mundo, mas nasceu aqui no Brasil. Sua origem deu-se, provavelmente, no grupo Bantú-Angolense, uma das divisões de povos mais fortes oriundas da África. Os negros desta região eram considerados altos, ágeis e fortes, com grande capacidade de adaptação cultural.
De acordo com Sodré (2005, p.153),

Vadiação e brincadeira são outros nomes com que os negros designavam o jogo da capoeira. Capoeira se luta, joga, brinca, é algo que se faz entre amigos e companheiros. Como? Primeiro, forma-se uma roda composta de dois e mais jogadores, berimbau (arco retezado por um fio de aço percutido por uma vareta e ao qual se prende uma cabaça capaz de funcionar como caixa de ressonância), pandeiros, caxixis ou reco-recos. Em seguida dois homens entram no circulo, abaixando-se na frente dos músicos, ao som dos instrumentos e de canções (chulas) específicas. Na capoeira dita de angola, ao se cantar a expressão “volta ao mundo” está dado o sinal para o início do jogo.
Marca de diversas rebeliões durante a existência da escravatura, a capoeira desenvolveu-se como uma luta de revide. Os 3,5 milhões de negros trazidos à força da África aprimoraram essa arte marcial e usaram-na sempre para enfrentar os ataques e desmandos de seus opressores. Enfim, nas três regiões que mais acolheram negros africanos, Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia, a capoeira era utilizada com o fim de acabar com a dominação e a exploração das elites e, ainda, na luta pela liberdade.

A dominação, a perseguição e a discriminação aos negros fizeram, paradoxalmente, com que a capoeira ganhasse cada vez mais força no Brasil com o decorrer do tempo. A Abolição da Escravatura é um exemplo. Em 1888, quando da promulgação da Lei Áurea, o governo baixou um decreto que autorizava a entrada no país de africanos e asiáticos, somente mediante a aprovação do Congresso Nacional, tornando o que era para ser um avanço, mais uma forma explícita de discriminação.


A “abolição”, aliás, deixou uma herança maldita para os ex-escravos, “libertos”. Não tinham acesso aos meios de produção e à educação, não possuíam condições mínimas de enfrentar o mercado de trabalho, nem receberam um só trocado como indenização ou algo semelhante. Por tal razão, foram jogados nas ruas e infelizmente não tiveram outra opção, num primeiro momento, a não ser cair numa condição de marginalidade.


Foram tempos de grande sofrimento e de enorme confusão para a população negra e suas lideranças. Afinal, estavam “livres”, mas não tinham para onde ir, onde trabalhar, o que comer e nem o que vestir. As elites aproveitaram e deram uma “ajuda”: associaram a imagem do negro à de um “agente criminoso”, vadio, malandro e capadócio. A perseguição continuava e a exploração também. Praticamente, nada foi feito pela integração social do cidadão negro “libertado” pela lei de 13 de maio.

Chegada a década da abolição - em 1880 - os negros estão nas ruas, o ambiente é crítico e caótico, e as condições já são bem favoráveis tanto à abolição quanto ao golpe militar que vai derrubar a Monarquia em 1889. [...]
Este golpe vai organizar o caos – e organizar o caos significa disciplinar a população negra, pois o caos eram os negros fujões; eram os quilombos na periferia da cidade; eram os negros libertos perambulando para baixo e para cima; era uma quantidade infinita de capoeiras – mais especificamente no rio de Janeiro – que, em maltas ou individualmente, vendiam indiscriminadamente seus serviços para abolicionistas, liberais, conservadores, monarquistas e republicanos. (CAPOEIRA, 1992, p. 35)

A República, que sucedeu o Império, manteve os grilhões e herdou seus preconceitos. Enquanto o poder público classificava a capoeira como crime, políticos sem escrúpulos e seus aliados aproveitavam-se da total miséria da comunidade negra para transformá-la em massa de manobra. Os negros, sem dinheiro e sem recursos para sobreviverem eram contratados para milícias particulares, para expandir os domínios desses políticos e para exterminar seus rivais. A capoeira nasceu da necessidade de libertação de um povo escravizado e, evidentemente, revoltado. Segundo Sodré (2005, p.155),
A crônica da capoeira até quase o fim do império revela disposições permanentes de resistência marcial aos dispositivos repressivos de ordem escravagista. Desde pouco antes da abolição e durante a primeira república, os capoeiristas passaram a ser usados, sobretudo no Rio de Janeiro, como capangas, (às vezes contra os próprios negros ou contra republicanos) por políticos e pessoas de influência. Não sendo esse o caso, o capoeirista era freqüentemente apontado como autor de tropelias e desordens, suscitando mais uma vez medidas legislativas específicas.
Apesar de perseguida no século XIX, a prática da “capoeiragem” recebeu um tratamento criminal oficial em todo o território nacional somente a partir da República. O Código Penal da República oficializou este tratamento:
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas, exercícios de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação capoeiragem (...) Pena: de prisão celular por dois a seis meses.
Parágrafo Único: É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpretar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o poder público e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.(REGO, 1968, p.292).

A capoeira continuou perseguida, enquadrada como crime no começo do século passado. Mas resistiu, com seus fundamentos e sua filosofia. Mais tarde, começou a ganhar consistência como traço de uma cultura popular. Ainda neste sentido, Sodré (2005, p. 155) faz o seguinte registro:
Mas a capoeira implicava, como toda estratégia cultural dos negros no Brasil, um jogo de resistência e acomodação. Luta com aparência de dança, dança que aparenta combate, fantasia de luta, vadiação, mandinga, a capoeira sobreviveu por ser jogo cultural. Um jogo de destreza e malicia em que se fingi lutar, e fingi-se tão bem que o conceito de verdade da luta se dissolve aos olhos do espectador e – ai dele – do adversário desavisado.
Surgiram, então, os amantes e divulgadores da capoeira como luta e outros que a enxergavam como parte do “folclore” e da cultura do negro descendente de africanos. Vicente Ferreira Pastinha, o baiano Mestre Pastinha, foi um dos maiores nomes da capoeira no final do século XIX e início do século XX. Fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola, na Bahia, mantendo os fundamentos da capoeira e até implantando alguns de sua própria criação.

Mestre Pastinha foi o mais célebre representante da Capoeira de Angola (posteriormente, assim chamada), dedicando toda sua vida para valorizar essa manifestação, genuinamente afro-brasileira.


A Capoeira Regional, típica da cultura baiana, foi criada em 1928, por Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, e era focada na luta. Ele utilizou nessa criação os seus amplos conhecimentos da Capoeira tradicional e do Batuque.


Alguns estudiosos consideram a Capoeira tradicional mãe da Capoeira Regional, que também recebeu a influência do Batuque, que é uma luta aguerrida, violenta, cujo objetivo é jogar o adversário no chão usando apenas as pernas. "Em 1928 eu criei, completa, a regional" disse Mestre Bimba, esclarecendo que "é o Batuque misturado com a capoeira tradicional, com mais golpes. Uma verdadeira luta, boa para o físico e para a mente”.


Mestre Bimba adquiriu a condição de Mestre de Capoeira, graças ao reconhecimento popular, ao seu trabalho e pelo respeito da sociedade baiana. Isso numa época em que as perseguições às manifestações da cultura negra eram muito intensas e cruéis. Através de seu trabalho e esforço, a capoeira ganhou características desportivas fundamentais no processo de massificação.


Hoje, presenciamos uma explosão dessa arte nacional. No Brasil, existem 6 milhões de praticantes. Só em São Paulo existem 6 mil e quinhentas academias de capoeira registradas. Se considerarmos o fato de ter sido crime sua prática no começo do século passado, é um enorme avanço.


A capoeira é, por tudo isso, sua história e origem, um potente instrumento de educação e integração social. Ela nasceu da luta contra a exclusão; combateu, desde os primórdios da escravidão, a opressão. É uma arte que demonstra ser possível viver em harmonia independente da cor da pele ou origem social.



fonte:http://www.guetocapoeira.org.br/oqueecapoeira.html

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