Sonho
com uma escola em que se cultivem pelo menos três coisas.
Primeiro,
a sabedoria de viver juntos: o olhar manso, a paciência de ouvir, o prazer em
cooperar. A sabedoria de viver juntos é a base de tudo o mais.
Segundo,
a arte de pensar, porque é a partir dela que se constroem todos os saberes.
Pensar é saber o que fazer com as informações. Informação sem pensamento é
coisa morta. A arte de pensar tem a ver com um permanente espantar-se diante do
assombro do mundo, fazer perguntas diante do desconhecido, não ter medo de
errar, porque os saberes se encontram sempre depois de muitos erros.
Terceiro,
o prazer de ler. Jamais o hábito da leitura, porque o hábito pertence ao mundo
dos deveres, dos automatismos: cortar as unhas, escovar os dentes, rezar de
noite. Não hábito, mas leitura amorosa. Na leitura amorosa entramos em mundos
desconhecidos e isso nos faz mais ricos interiormente. Quem aprendeu a amar os
livros tem a chave do conhecimento.
Mas
essa escola não se constrói por meio de leis e parafernália tecnológica. De que
vale uma cozinha dotada das panelas mais modernas se o cozinheiro não sabe
cozinhar? É o cozinheiro que faz a comida boa mesmo em panela velha. O
cozinheiro está para a comida boa da mesma forma como o educador está para o
prazer de pensar e aprender. Sem o educador o sonho da escola não se realiza.
A
questão crucial da educação, portanto, é a formação do educador. “Como educar
os educadores?”
Imagine
que você quer ensinar a voar. Na imaginação tudo é possível. Os mestres do voo
são os pássaros. Aí você aprisiona um pássaro numa gaiola e pede que ele o
ensine a voar. Pássaros engaiolados não podem ensinar o voo. Por mais que eles
expliquem a teoria do voo, só ensinarão gaiolas.
Marshal
McLuhan disse que a mensagem, aquilo que se comunica efetivamente, não é o seu
conteúdo consciente, mas o pacote em que a mensagem é transmitida. “O meio é a mensagem.” Se o meio para se
aprender o voo dos pássaros é a gaiola, o que se aprende não é o voo, é a
gaiola.
Tenho
a suspeita, entretanto, que se pretende formar educadores em gaiolas idênticas
àquelas que desejamos destruir.Aplicando-se essa metáfora à educação podemos
dizer que a mensagem que educa não são os conteúdos curriculares, a teoria que
se ensina nas aulas, educação libertária etc. A mensagem verdadeira, aquilo que
se aprende, é o “embrulho” em que esses conteúdos curriculares são supostamente
ensinados.
Os
alunos se assentam em carteiras. Professores dão aulas. Os alunos anotam. Tudo
de acordo com a “grade curricular”. “Grade” = “gaiola”. Essa expressão revela a
qualidade do “espaço” educacional em que vivem os aprendizes de educador.
O
tempo do pensamento também está submetido às grades do relógio. Toca a
campainha. É hora de pensar “psicologia”. Toca a campainha. É hora de parar de
pensar “psicologia”. É hora de pensar “método”…
Os
futuros educadores fazem provas e escrevem papers pelos quais receberão notas
que lhes permitirão tirar o diploma que atesta que eles aprenderam os saberes
que fazem um educador.
Desejamos
quebrar as gaiolas para que os aprendizes aprendam a arte do voo. Mas, para que
isso aconteça, é preciso que as escolas que preparam educadores sejam a própria
experiência do voo.
fonte: http://www.revistaeducacao.com.br/formacao-do-educador-coluna-rubem-alves/
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